segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Ferreira Gullar: morre parte da literatura brasileira


O escritor Ferreira Gullar posa para fotógrafo durante entrevista em sua residência no bairro de Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro (Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo/AE)



         O poeta, escritor e teatrólogo maranhense Ferreira Gullar morreu na manhã deste domingo (4) no Rio, aos 86 anos. Gullar é um dos maiores autores brasileiros do século 20 e foi eleito "imortal" da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 2014, tornando-se o sétimo ocupante da cadeira nº 37.
           De acordo com a ABL, Gullar foi vítima de uma pneumonia. Ele estava internado há 20 dias no hospital Copa D'Or, na Zona Sul do Rio.
O corpo do escritor foi transportado ontem à Biblioteca Nacional, no Centro do Rio. Hoje (5), ele sai para o velório no prédio da Academia Brasileira de Letras. Às 15h, o corpo será levado para o enterro no mausoléu da ABL, no Cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo.
           Ferreira Gullar deixa dois filhos, Luciana e Paulo, oito netos, e a companheira Cláudia, com quem vivia atualmente. Seu último livro foi "Autobiografia poética e outros textos", lançado este ano. 

Às vésperas de morrer, consciente da gravidade de seu estado, Gullar recusou a opção que lhe ofereceram de prolongar sua vida artificialmente por meio de aparelhos. Respondeu que preferia abreviar o seu fim. Impressionado com a decisão, o médico confessou que nunca vira tanta coragem e lucidez assim. Essa vontade ele manifestou também para sua filha Luciana, que o acompanhava no hospital .
 A ela ele tentou confortar argumentando que tivera uma vida muito digna e não queria prorrogá-la sabendo que seria por pouco tempo.
Um de seus últimos apelos foi: ‘Luciana, tudo isso é inútil. Me leva para Ipanema. Quero entrar no mar e ir embora’. Um final digno de figurar na literatura.




Quem era o poeta?

Poeta, crítico de arte, tradutor e ensaísta. Ferreira Gullar era considerado um dos maiores poeta da literatura brasileira. Um dos nomes mais importantes de nossas letras, José Ribamar Ferreira iniciou sua carreira no ano de 1940, em São Luís, Maranhão, sua cidade natal. Em 1951 transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde colaborou com diversas publicações, entre elas revistas e jornais, além de ter participado ativamente da criação do movimento neoconcreto.

A poesia de Ferreira Gullar sempre destacou-se pelo engajamento político. Por meio da palavra, Gullar fez da poesia um importante instrumento de denúncia social, especialmente na produção dos anos de 1950, 1960 e 1990, haja vista que, posteriormente, o poeta tenha reconsiderado antigos posicionamentos. Sua poética engajada ganhou força a partir dos anos de 1960 quando, ao romper com a poesia de vanguarda, aderiu ao Centro Popular de Cultura (CPC), grupo de intelectuais de esquerda criado em 1961, no Rio de Janeiro, cujo objetivo era defender o caráter coletivo e didático da obra de arte, bem como o engajamento político do artista.Perseguido pela ditadura militar, Ferreira Gullar exilou-se na Argentina durante os anos de repressão, exílio provocado pelas fortes tensões psíquicas e ideológicas encontradas em sua obra. A importância do poeta foi reconhecida tardiamente, na década de 1990, quando finalmente Gullar foi agraciado com os mais importantes prêmios literários de nosso país.



Um dos poemas que virou música, na voz de Fagner, Adriana Calcanhoto e tantos outros músicos: 




Traduzir-se

Uma parte de mim é todo mundo:
outra parte é ninguém: fundo sem fundo.
Uma parte de mim é multidão:
outra parte estranheza e solidão.

Uma parte de mim pesa, pondera:
outra parte delira.
Uma parte de mim almoça e janta:
outra parte se espanta.

Uma parte de mim é permanente:
outra parte se sabe de repente.
Uma parte de mim é só vertigem:
outra parte, linguagem.



Traduzir-se uma parte na outra parte

– que é uma questão de vida ou morte –


será arte? 

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